Aqui onde a vida dobra a esquina, a gente se fala... e se refugia do desinteressante...
Porque tudo é uma questão de opção. Assim podemos ser cidadãos do mundo, carregando sóis gelados e luas coloridas. Podemos ter olhos para o bem estar alheio e estocar imensos pacotes de riso fresco. Não se iludir... mas fantasiar. Ser um sim dos momentos vagos, um enorme talvez das possibilidades. Enxergar tudo que gostamos e "passar batido" pelo que não apreciamos. Ser de empréstimo, de "por acaso", eternos olás de distribuição gratuíta ou pequenos adeuses restritos... Ser um moinho de vento. Até quem sabe, e por que não, o último biscoito do pacote?
16 de mai. de 2009
O BEIJO (Vinicius de Morais)
Um minuto o nosso beijo /Um só minuto; no entanto
Nesse minuto de beijo /Quantos segundos de espanto!
Quantas mães e esposas loucas /Pelo drama de um momento
Quantos milhares de bocas /Uivando de sofrimento!
Quantas crianças nascendo /Para morrer em seguida
Quanta carne se rompendo /Quanta morte pela vida!
Quantos adeuses efêmeros /Tornados o último adeus
Quantas tíbias, quantos fêmures /Quanta loucura de Deus!
Que mundo de mal-amadas /Com as esperanças perdidas
Que cardume de afogadas /Que pomar de suicidas!
Que mar de entranhas correndo /De corpos desfalecidos
Que choque de trens horrendo /Quantos mortos e feridos!
Que dízima de doentes /Recebendo a extrema-unção
Quanto sangue derramado /Dentro do meu coração!
Quanto cadáver sozinho /Em mesa de necrotério
Quanta morte sem carinho /Quanto canhenho funéreo!
Que plantel de prisioneiros /Tendo as unhas arrancadas
Quantos beijos derradeiros /Quantos mortos nas estradas!
Que safra de uxoricidas /A bala, a punhal, a mão
Quantas mulheres batidas /Quantos dentes pelo chão!
Que monte de nascituros /Atirados nos baldios
Quantos fetos nos monturos /Quanta placenta nos rios!
Quantos mortos pela frente /Quantos mortos à traição
Quantos mortos de repente /Quantos mortos sem razão!
Quanto câncer sub-reptício /Cujo amanhã será tarde
Quanta tara, quanto vício /Quanto enfarte do miocárdio
Quanto medo, quanto pranto /Quanta paixão, quanto luto!...
Tudo isso pelo encanto /Desse beijo de um minuto:
Desse beijo de um minuto /Mas que cria, em seu transporte
De um minuto, a eternidade /E a vida, de tanta morte.
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